A Via Nova (Via XVIII): Uma Estrada Imperial no Noroeste da Hispânia
A Via XVIII do Itinerário de Antonino, conhecida como Via Nova ou Geira Romana, representa uma das mais impressionantes obras de engenharia civil romana ainda visíveis na Península Ibérica. Esta estrada imperial, que ligava
Bracara Augusta (Braga) a
Asturica Augusta (Astorga), destaca-se pela excepcional preservação do seu traçado e pela notável quantidade de miliários que ainda hoje marcam o seu percurso.
Fundação e Propósito
A Via Nova foi construída durante a dinastia flaviana, mais precisamente em 80 d.C., sendo inicialmente projetada pelo imperador Vespasiano e concluída pelos seus filhos Tito e Domiciano. O projeto foi executado sob a supervisão de Caio Calpetano Râncio Quirinal Valério Festo, cônsul sufecto do senado romano em 71 e legado imperial no convento bracaraugustano entre 78 e 80 d.C. Este importante aliado de Vespasiano promoveu inúmeras obras públicas e assumiu-se como
curator viarum da Via Nova.
A construção da Via Nova deve entender-se num contexto de crescimento económico da região, articulado com a intensificação da exploração do ouro, fundamental à economia do Império. Este novo itinerário surgiu após a pacificação dos territórios hispânicos e a concessão por Vespasiano do estatuto de direito romano a toda a Hispânia, confirmando a atenção dos imperadores flávios pela administração e economia do Noroeste peninsular.
A Via Nova é citada no Itinerário de Antonino como "Item alio itinere a Bracara Asturica" (outro caminho de Braga a Astorga), abrindo um novo trajecto entre Bracara e Asturica Augusta, através do coração da região mineira do Noroeste. Esta via, juntamente com as vias XVI, XVII e XIX, completava o sistema de comunicações terrestres entre os principais centros urbanos da Hispânia romana do noroeste.
Características Construtivas
A Via Nova foi construída com um ancho suficiente para o cruce de dois carros, possuindo, em geral, uma plataforma de 6,00 - 7,00 metros. A largura dos pontes que serviam esta via era ligeiramente menor, mas ainda assim impressionante para a época: a Ponte da Ribeira do Forno tinha 5,40 m, a Ponte San Miguel 5,50 m, e outras pontes do mesmo itinerário apresentavam larguras entre 5,74 m e 6,30 m.
Os engenheiros romanos procuraram sempre traçados com pendentes reduzidas - em torno dos 5-6% - para facilitar o trânsito de pessoas, animais e carros. Esta "tendência à horizontalidade" já foi destacada pelo historiador P. Bernardo de Brito no século XVI, que justificou o nome dado ao caminho de "A Geira" pelas muitas curvas ou giros (girum) que tinha que ir dando "... pera sustentar esta chaneza". Como referiu o P. José de Matos Ferreira, a via era "... muyto suave e facil para os pasageiros e de grande descanso para as cavalgaduras e toda á casta de animais".
No que diz respeito ao tipo de pavimento, a via foi construída a meia encosta, suficientemente afastada dos rios para evitar as cheias. Devido à forte inclinação e à natureza rochosa do terreno, os construtores romanos optaram por uma solução engenhosa: a plataforma original foi construída sobre o terreno com um enchimento de terra sustentado lateralmente por muros de alvenaria ou silharia, reduzindo ao mínimo os desmontes.
Esta técnica permitia também evitar o desmonte das rochas que estavam no traçado, que ficavam alojadas no enchimento. O firme da via seria composto por uma base de seixos e terra, ou um macadame de pedras de quartzo e terra, sobre a qual se estendia uma camada de recobrimento à base de "jabre" ou areia.
Traçado Geral
Saindo de Bracara Augusta pelo lado Nordeste da cidade, por Infias, a Via Nova contornava o sopé do monte Montariol e descia ao Cávado, entre Palmeira e Adaúfe. A travessia do Rio Cávado seria feita por barca, no local de Barca de Ancêde. A estrada continuaria no entorno da margem direita do Cávado até à milha XI, local em que iniciaria a subida da Serra de Bouro. Próximo da milha XIV saía da bacia do vale do Cávado e entrava na do Rio Homem.
A partir da milha XIV e até à milha XXVI, a via seguia a meia-vertente pela encosta poente da montanha.
Na milha XXI, segundo o Itinerário de Antonino, encontrava-se a primeira mansio (Mansio Salaniana). A partir da milha XXVI, a Geira passava pela zona da Veiga de Cubide e continuava pela depressão orográfica até ao Campo do Gerês. Daqui seguia para norte, descia em direção a Vilarinho das Furnas até à milha XXIX, seguindo, a partir deste ponto, pela margem esquerda do Rio Homem até ao ponto em que a ele confluem o Rio de Maceira e o Rio do Forno, na Albergaria.
Neste local surgiram as primeiras obras de arte conhecidas do traçado, as pontes sobre o Rio Maceira e sobre o Rio do Forno, desmontadas por estratégia militar durante a Guerra da Restauração, em 1642. A Geira continuava pela margem esquerda do rio Homem até à milha XXX, depois cruzava o rio pela Ponte de São Miguel, que seria a obra de arte mais imponente da Geira no lado atualmente português. A partir daqui a via seguiria até à Portela do Homem, onde se assinala a milha XXXIV. Por aqui se transpõe o interflúvio da Serra do Gerês para norte, entrando na bacia do Rio Lima.
Da Portela do Homem, a via descia pela vertente norte da Serra do Gerês ao longo da margem direita do Rio Caldo, numa sucessão de ziguezagues que reduzem, substancialmente, o esforço da pendente. Neste percurso teria mais uma ponte sobre a Corga da Fecha, antes de chegar à segunda mansio do Itinerário de Antonino, Aquis Originis, junto aos Baños de Riucaldo, no final da milha XXXVIII.
Aproximando-se do Rio Lima, a Via Nova cruzaria este rio na ponte Pedriña (atualmente submersa pela albufeira da barragem das Conchas) em direção à mansio de Aquis Quarquennis. Continuaria pela margem direita do Rio Lima, passando pela veiga de Antela até à mansio Geminas, junto da milha LXIX, nas proximidades da atual vila de Sandiás.
Os Miliários: Um Tesouro Epigráfico
A importância histórica e patrimonial desta via baseia-se nas importantes singularidades que a realçam sobre outros caminhos conservados da Hispânia. Destaca-se a conservação de um inusual e elevado número de miliários, especialmente no tramo que vai desde a m.p. (milla) XXIX, nas proximidades da localidade portuguesa de Campo do Gerês até a m.p. XXXVIII em Baños de Riocaldo (Espanha), que superam largamente a centena.
Como exemplo, o conjunto de miliários agrupados em 1992 na m.p. XXIX (Volta do Gaviao) reúne 13, na m.p. XXXI (Bico da Geira) estão reunidos 21 miliários, na milla XXXII (Volta do Covo) o número ascende a 22 miliários, etc... e no lado da Galiza e só no tramo estudado se acharam 9 pedras miliárias em A Lama do Picón e em Os Pasteroques, onde se ubicava a m.p. XXXVI, se detetaram 8 miliários.
Os miliários ao longo da Via Nova constituem um excepcional conjunto epigráfico que documenta não só as diferentes fases de construção e manutenção da via, como também serviam como elementos de propaganda imperial, mostrando a presença do poder de Roma mesmo nas regiões mais remotas do Império.
Legado e Preservação
A Via Nova, hoje conhecida como Geira Romana em Portugal e "A Geira" na Galiza, constitui um dos mais valiosos testemunhos da engenharia romana na Península Ibérica. O seu traçado foi classificado como Monumento Nacional em Portugal em maio de 2013 (Decreto 5/2013, de 6 de Maio), e várias intervenções têm sido realizadas para a sua preservação e valorização turística.
Caminhar pela Geira hoje é uma experiência única que nos transporta para o passado romano da Hispânia, permitindo contemplar uma das obras de engenharia mais notáveis do Império Romano, que continua a desafiar o tempo e a contar a história da romanização do noroeste peninsular.